Com Que Roupa? - Noel Rosa, 1930

Talvez “Com que Roupa” seja a mais conhecida música de Noel Rosa. Pelo menos está entre as 5 mais conhecidas, com certeza. Foi o primeiro sucesso de sua carreira, gravada em 1930, quando ele tinha apenas 20 anos.

Segundo André Diniz e Juliana Lins, que escreveram um pequeno ensaio sobre Noel (Noel Rosa, Ed. Moderna, 2008) a expressão “Com que roupa” era uma gíria comum no Rio de Janeiro, e tinha um significado parecido com “Com que dinheiro?”.

Certamente a crise mundial de 1929 ajudou a inspiração da música, mas é certo que muitas lendas ainda pairam sobre o surgimento da música. André Diniz e Juliana Lins contam a história mais divertida, não necessariamente a verdadeira:

“Certo dia, ou melhor, certa noite, Noel tinha decidido agradar sua mãe ficando em casa e indo dormir cedo, coisa bem rara na sua vida. Quando o relógio da sala bateu as nove badaladas, a campainha tocou. Eram alguns amigos de Noel convidando-o para sair. Dona Martha pediu que esperassem e, com um sorriso maroto, foi ao quarto avisar o filho. Noel pulou da cama e começou a revirar o armário em busca de uma roupa ajeitadinha. Que ficar em casa que nada, ele iria era pra farra! Vira daqui, mexe dali e nada. Nas gavetas, só pijamas, cuecas e sapatos. os amigos começaram a ficar impacientes com a demora e começaram a chamar Noel. Este, já tenso, não sabia o que fazer e pediu ajuda à mãe.. Dona Martha deu de ombros e, com ar de satisfação,  disse que talvez tivesse sido algum engano da lavadeira. (…) O rapaz, que já antecipara o prazeres da noitada, entrou em desespero: ‘ Eu quero ir, pessoal, mas com que roupa, com que roupa eu vou?’ E não teve jeito. Os amigos foram embora, Noel sossegou o facho e Dona Martha finalmente soltou um sorriso de satisfação. Não é que tinha dado certo? esconder a roupa do filho era a melhor coisa para fazê-lo ficar em casa e não piorar ainda mais da febre e do resfriado. Os amigos foram, ficou a inspiração”.

Há também uma lenda que Noel Rosa dia passando em frente ao batalhão militar e escutou o Hino Nacional e criou esta musicalização, por isso “Com que roupa”, na sua versão original, seria muito parecida com o hino Nacional. Segundo seus biógrafos, João Máximo e Carlos Didier, Noel confessou certa vez a um tio que “Com que Roupa” retratava de forma metafórica o Brasil – “um Brasil de tanga, pobre e maltrapilho”. Daí, talvez, a semelhança de seus compassos iniciais com os do Hino nacional Brasileiro (problema corrigido pelo músico Homero Dornelas ao passar a melodia para a pauta).

Fontes: Diniz, André; Lins,  Juliana. Noel Rosa, Ed. Moderna, 2008

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra69190/com-que-roupa

http://www.blogdopilako.com.br/wp/2013/07/11/curiosidades-musicais-noel-rosa/

Mello, Zuza Homem; Severiano, Jairo. A canção no tempo, vol. 1 Ed. 34

Máximo, João, Didier, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. UNb, 1990

Noel ri da própria desgraça na canção “Com que Roupa”, gravado em 1930, na qual lamenta: “Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro, não consigo nem ter pra gastar”. Segundo a dupla de biógrafos de Noel Rosa, à época da composição da música coexistiam dois tipos de samba na cidade. Um deles misturava “intelectuais e macumbeiros, funcionários públicos e boêmios, pequenos comerciantes bem-sucedidos e operários modestos, ex-escravos e músicos”, como Sinhô e Pixinguinha. O outro, menos conhecido naquele momento, se espalhava pelos morros com menos e músicos treinados ou instrumentos, letras mais próximas do cotidiano da região, com acompanhamento mais improvisado, rudimentar, com tamborins, cuícas, surdos, pandeiros, cavaquinhos, palmas e batidas na mesa. Noel parece se aproximar mais da segunda vertente nesta canção com bandolim e violões, que foi um sucesso estrondoso de público. Ao longo dos anos, o sambista deu diversas versões sobre a origem da música, da qual dizia não gostar. Elas iam do retrato realista das dificuldades econômicas do povo à alegoria da situação política às voltas com a Revolução de 1930, golpe que levaria Getúlio Vargas ao poder. Os biógrafos também exaltam aspectos mais técnicos da canção, marcada por um “feliz casamento de música e verso”. “Há também a originalidade do tema, as rimas pouco usuais na canção popular, a construtura técnica na qual o sexto verso do coro é uma espécie de chave. Sempre terminando em palavra que rima com ‘roupa’, o verso funciona como um breque e ‘chama’ musicalmente o estribilho. Uma tentação para os improvisadores (mais tarde, nas rodas de samba, a maestria do versejador será medida por esse sexto verso).” No livro “No Tempo de Noel” (1963), Almirante, o primeiro biógrafo do sambista, aponta que o artista não esperava que a música fizesse tanto sucesso e até a vendeu por 180 cruzeiros para cantores do Teatro Municipal. (fonte)